Pirineus de Ariège

Na GR-10 em direção ao Mont Valier.

Para escolher o destino das últimas férias eu tinha dois critérios: ser um lugar bom para caminhadas e que não ficasse muito longe para que a viagem até lá não fosse tão demorada. Assim, escolhemos os Pirineus e um amigo do Artur ainda recomendou o lado francês mais ao sul.

Voamos até Toulouse sem um roteiro definido, então aproveitamos para caminhar a esmo pela cidade e descansar um pouco. Fomos a cafés e feiras locais, passeamos ao longo do rio, olhamos algumas lojas de bike e ficamos horas no Museu de Toulouse.

O que mais me impressionou foi a estrutura cicloviária da cidade e gostei de ver ciclistas para todos os lados. O relevo plano ajuda, mas o planejamento urbano é um fator de peso. Foi a primeira vez que vi placas indicando que o ciclista pode circular nos dois sentidos mesmo que a rua seja de mão única para carros. Genial.

Havia abundância de água por todos os lugares onde passamos.

Depois de um fim de semana prolongado na cidade, alugamos um carro e seguimos por estradinhas menores até o Parque Natural Regional dos Pirineus de Ariège (Parc Naturel Régional des Pyrénées Ariégeoises). Ficamos hospedados num chalé nas montanhas, ou como eles dizem, um “gite”. A vista era maravilhosa, mas as nuvens faziam uma brincadeira de esconde-esconde com as montanhas.

Tivemos como anfitrião um simpático escalador inglês que se mudou para os Pirineus para ficar perto das montanhas. Ele desenhou um mapa com sugestões de trilhas no entorno da cabana e também nos deu a preciosa dica sobre a Cascade d’Ars.

Em nossa primeira manhã, fomos fazer uma das voltas traçadas pelo Lee. A maior parte era dentro da floresta, mas havia trechos de onde podíamos ver as montanhas ao redor. Paramos por uns 10 minutos num posto de observação para comermos e admirarmos a paisagem e pouco depois fomos apanhados pela chuva.

Vista a partir da Cascade d’Ars.

No dia seguinte, fomos até Aulus-les-Bains para conhecer a Cascade d’Ars. Ao invés de irmos e voltarmos pelo mesmo caminho, optamos por fazer um loop e passar por cima da cachoeira. Essa trilha nos levou a um vale com vista para o rio e para as montanhas. Foram 14 km e mais uma vez terminamos molhados. Na hora em que a chuva ficou mais forte, tive receio de que acontecesse o mesmo que em Gredos, quando tivemos que mudar o trekking para evitar riscos de queda, mas terminou tudo bem.

Cirque de Cagateille com suas diversas cachoeiras.

Com a chuva intensa, no terceiro dia, saímos sem destino definido e aproveitamos para visitar algumas aldeias da região. Seguimos por uma estradinha estreita que parecia levar a lugar nenhum, mas chegamos a um ponto de partida para algumas trilhas. Almoçamos no carro e, quando a chuva deu uma trégua, fomos fazer uma caminhada curta até o Cirque de Cagateille.

Impressionada com a água em abundância nessa região, eu queria muito tomar um banho de rio. Porém, embora a trilha seguisse paralela a um rio, a correnteza era muito forte e a água extremamente gelada. Quando finalmente encontrei um pedacinho da margem em que a água seguia mais tranquila, não consegui aguentar nem cinco minutos com os pés na água.

Apreciando um Kir de La Maison na Maison du Valier.

No nosso último dia em Aleu, o sol brilhava forte e o céu estava sem nuvens. Seguimos animados para o próximo destino: La Maison du Valier, uma “gite d’etape” e um dos pontos de partida para a subida ao Mont Valier. Fizemos uma reserva de meia pensão, para não termos de nos preocupar com o jantar e fomos recebidos por uma família muito simpática que toma conta do lugar. Comemos aqui as melhores refeições da viagem: comida caseira francesa, bem temperada e muito farta.

Na manhã seguinte, quando começamos a subida, encontramos um grupo de cinco ou seis rapazes que levavam varas de pesca nas mochilas carregadas. Achei curioso.

A foto não faz jus ao que vi pessoalmente, a Étang Rond me deixou sem palavras.

A subida até a cabana de Caussis, embora íngreme, foi tecnicamente fácil e havia até uma ponte para passarmos pela Cascade de Nerech. De Caussis, seguimos pela direita por mais ou menos 1 km até o Étang Rond. Quando chegamos perto do lago e vi aquela água límpida com as montanhas nevadas ao redor senti uma emoção tão grande que nem consigo descrever. Era a natureza mostrando toda a sua imponência. Ali também entendi o porquê das varas de pescar já que havia uns tantos pescadores a atirarem suas iscas na água depois de 4 horas de caminhada montanha acima.

Um pouco escorrega mesmo.

Aqui ocorreu a primeira mudança de planos já que a trilha que pretendíamos seguir estava cheia de neve escorregadia e era um tanto exposta. Também vimos resquícios de pequenas avalanches no entorno do lago. Decidimos voltar até Caussis e pegar o caminho da esquerda em direção ao Refúgio les Estagnous. Como não tínhamos bastões de caminhada, nem crampons, abortamos essa ideia a cerca de 300 m do refúgio. Não me senti muito confiante com a trilha exposta e a neve escorregadia. A descida também foi um tanto molhada. Com as temperaturas mais altas, a neve começou a derreter e descia pela trilha como um pequeno riacho.

Voltei encantada com a França e com a paixão dos franceses por atividades ao ar livre, com pessoas de todas as idades caminhando e pedalando. Vale destacar ainda o encontro com uma dupla espanhola em cicloviagem pelos Pirineus. Há ainda muitas trilhas e rotas bem sinalizadas, estacionamentos municipais gratuitos para vans e motorhomes, áreas para piqueniques e quilômetros e mais quilômetros para serem percorridos a pé e de bicicleta. Para quem quer estar em contato com a natureza, vale muito a pena.

Heading Southwest 2022

Cruzando Portugal na minha primeira prova de ultra ciclismo. Foto: Artur Vieira.

Apenas uma semana depois de conhecer a Kika no brevet 200 km, aceitei o convite dela para participar da primeira edição do Heading Southwest, uma prova de ultra distância com quase mil quilômetros e mais de 16 mil metros de altimetria acumulada organizada pela Finisterra. Claro que tinha apenas uma vaga noção de onde estava me metendo, mas ainda dei um jeito de convencer outros amigos a se juntarem.

Como estávamos inscritos como dupla, o Artur aproveitou a passagem do amigo Vinicius Martins por Portugal para pegar dicas e discutir equipamentos. O Vini tem larga experiência em provas de ultra distância e tinha vindo para cá justamente para participar do BikingMan Portugal.

O tempo todo eu dizia para mim mesma: “será tipo uma cicloviagem em que você tem que pedalar por vários dias seguidos. Um tanto mais bruta na distância e no acumulado, mas ainda assim, uma cicloviagem”. Ô, santa ingenuidade!

Na véspera da largada, a retirada dos caps e dos trackers ocorreu durante um jantar, que serviu também para promover a interação entre os participantes e me permitiu conversar pessoalmente com algumas pessoas que eu já conhecia pelo Instagram e conhecer outras.

Dia 1 – De Coimbra a Arouca (170.89 km / 3,346 m)

O primeiro dia de prova seria sentido norte. Passamos pela Mata do Buçaco, um lugar que ainda não conhecíamos. A subida não era tão longa nem muito íngreme, mas eu não sou lá muito fã de pavés. Em algum momento, paramos para pegar mais água e fiquei surpresa quando vi um dos ciclistas da categoria solo passar, já que eles largaram antes. Acabamos por ultrapassá-lo quando ele foi almoçar. Fizemos algumas subidas juntos e falamos sobre combinar outras voltas, já que o João Palma também mora em Lisboa.

O ponto alto do dia (literalmente) era a Serra da Freita. Gostei bastante de passar por ali e relembrar uma caminhada que fizemos em 2020 naquela região. Antes de chegarmos a Gestoso, perguntei a uma senhora se poderia encher as caramanholas com água da torneira e ela me entregou uma garrafa de água mineral. Isso fez toda a diferença porque depois não encontrei mais locais onde podia pegar água.

Um pouco de pavé antes de descer para Arouca. Foto: Artur Vieira.

Quando achei que começaríamos a descer, a primeira surpresa da rota: um tramo de pavé em meio a campos floridos. Já disse que não gosto de pavés, mas era impossível não gostar desse lugar tão lindo. A descida veio na sequência e teve que ser feita com cautela por causa do limo nos cantos e também pela chuva que havia molhado o caminho.

Em Arouca, passamos no supermercado e fomos para a hospedagem do dia, onde ouvimos histórias do dono da casa e jantamos um macarrão preparado pelo Artur.

Dia 2 – De Arouca a Lagares da Beira (140.14 km / 2,968 m)

Dormi feito uma pedra, mas por menos tempo do que gostaria. Depois de prepararmos o café da manhã e organizar tudo, partimos para a primeira subida do dia, que seria seguida pela Serra da Arada. Estava ansiosa e ao mesmo tempo com receio de encarar o Portal do Inferno, que também já conhecia por causa do trekking do Morto que Matou o Vivo.

Serra da Arada, onde fica o Portal do Inferno. Foto: Artur Vieira.

Subi com calma em direção ao Portal do Inferno e aproveitei para colocar em dia os podcasts do Petit Journal. Depois, apesar das subidas íngremes, em alguns pontos, foi possível pegar embalo e pedalar apenas um pouquinho para atingir o topo. Dei bom dia a dois ciclistas que encontramos pelo caminho e um dele respondeu que o dia poderia estar melhor. E ele nem fazia ideia dos nossos planos. Quando estávamos mais no alto, reencontramos a Pau e a Moey e conversamos um pouquinho antes de seguirmos.

Aproveitamos o Lidl no caminho em São Pedro do Sul para comprarmos água e comida. Este dia já foi mais difícil para mim porque comecei a ficar enjoada e não conseguia comer direito, então abandonei a Coca-Cola e apelei para o Red Bull. 

Nossa hospedagem do dia era em Lagares da Beira e, como chegamos cedo, até pensei que deveríamos seguir um pouco mais, mas não o fizemos. Ficamos em um camping rodeados por holandeses e apesar do cansaço, foi a primeira noite mal dormida. Acordei várias vezes com o nariz entupido e sem conseguir respirar direito.

Dia 3 – De Lagares da Beira a Ameixoeira (167.68 km / 3,200 m)

Acordei uma hora e meia antes do horário programado, mas deixei o Artur dormir um pouco mais. Saímos em direção à Oliveira do Hospital e as longas descidas só confirmaram o pensamento de que deveríamos ter esticado um pouco mais no dia anterior.

Subindo o Adamastor já com um pouco de nevoeiro. Foto: Artur Vieira.

Estava com receio da subida do Adamastor, pois a Kika havia dito que era bem bruta. Não sei se porque eu havia imaginado algo pior ou se pelo fato de já termos feito a Freita e a Arada, não achei tão ruim assim. Encaramos bastante nevoeiro no caminho até Loriga, onde paramos para um café.

A descida até Unhais da Serra foi feita com cautela por causa do vento que, pelas curvas ora era contra, ora era a favor. Tive o azar de encarar uma rajada de vento contra numa descida e ter que pedalar para atingir 13,8 km/h. Fuen!

Já conhecíamos o caminho de Unhais da Serra até a Aldeia de São Francisco de uma cicloviagem anterior, mas não tínhamos passado pela aldeia, pois optamos pela estrada da igreja. A subida parecia não ter fim e fizemos uma parada no supermercado do caminho, onde aproveitamos também para garantir o jantar e o café da manhã do dia seguinte.

Quando chegamos à São Jorge da Beira, meus olhos não queriam acreditar no que viam. Uma subida para cair de costas por dentro de uma aldeia. Com a quantidade de capelas que encontramos nesses 2 km de ladeira, brinquei que só com reza mesmo para encarar aquelas subidas do cão.

Embora tenhamos seguido por caminhos diferentes, passamos de novo por Cambas e, na chegada, eu levei o maior susto de toda a prova. A descida era íngreme e, quando estávamos perto do fim e eu estava embalada, um cachorro veio na minha direção com tanta vontade que já me preparei para o pior. Por sorte, ele recuou no último segundo. Ainda assim, tive que parar a bicicleta e esperar minhas pernas deixarem de tremer antes de continuarmos. Dormimos em Ameixoeira porque não estava a fim de começar o dia com a subida de Cambas como já tínhamos feito antes.

Dia 4 – De Ameixoeira a Marvão (​​123.54 km / 2,436 m)

Paramos em um café em Estreito para o desjejum e a senhora que nos atendeu foi uma fofa. Como eu estava enjoada, ela trouxe um biscoitinho para acompanhar o meu café já que “não se deve tomar café de estômago vazio”.

Pedalamos mais ou menos junto com a Jeane e o Guedes e ainda encontramos a Kristina que havia perdido a hora. Fizemos longas descidas e logo chegamos à Vila Velha de Ródão. Com o dia de céu limpo, pude ver melhor o caminho por onde já havíamos passado com a Kika. Encontrei um bom ritmo na subida e logo estávamos em Nisa, onde paramos para almoçar. A Jeane e o Guedes nos encontraram ali e o almoço estendeu-se um pouco mais do que deveria antes de voltarmos para a estrada.

Em Castelo de Vide, deixei a boleima de lado e parei apenas para comprar uma pomada para as assaduras que estavam a dar o ar da graça (ah, saudade dos tempos em que fazia brevets com leggings sem almofadinha). Tocamos para Marvão e a estrada era diferente da que havíamos pedalado antes. Embora a subida seja mais íngreme, gostei muito mais do caminho feito desta vez, mas tive que parar para conferir o GPS e confirmar que a entrada na cidade murada era pelo caminho menos óbvio. Pensando agora, não sei porque tive qualquer dúvida, já que a prova toda seguiu por caminhos menos óbvios.

O percurso incluía uma volta por Marvão. Foto: Artur Vieira.

Dormimos em Marvão e logo recebi uma mensagem do meu pai todo contente a lembrar de quando estivemos lá juntos. Ele foi uma das primeiras pessoas a me visitar quando nos mudamos para Portugal e quis conhecer a Serra de São Mamede, afinal, está no nome. ;)

Esta foi a primeira noite em que consegui jantar de verdade: arroz, batatas, ovos, salada e mousse de manga de sobremesa. Dormi com a barriga estufada, mas feliz.

Dia 5 – De Marvão a Renguengos de Monsaraz (160.69 km / 1,828 m)

O dia começou gelado, ainda mais com a descida de Marvão, mas a temperatura subiu logo, afinal, estávamos cada vez mais imersos no Alentejo. A região é bonita, porém, algumas zonas são um tanto monótonas quando estamos em cima de uma bicicleta. Há muitas estradas que parecem não ter fim e são onduladas o suficiente para nos obrigar a pedalar o tempo todo. Até brincamos que as descidas alentejanas parecem ter 2% de inclinação porque as bikes nunca embalam.

Logo chegamos a Estremoz e paramos no Lidl para um verdadeiro banquete. Aproveitei que os enjoos ainda não haviam voltado e comi bastante antes de partimos para a Serra d’Ossa, que só não foi mais tranquila por causa do calor.

Estradas alentejanas. Foto: Artur Vieira.

Os últimos quilômetros até Reguengos de Monsaraz custaram mais a passar para mim justamente pela leve ressaca que estou das estradas alentejanas (15 dias antes do HSW, completei um brevet 400 km por essas bandas). Aliás, esta foi a quarta vez que estive nessa cidade e sempre cheguei e saí pedalando.

Fomos jantar no Chafarica Tapas & Wine Bar, que conhecemos durante uma minicicloviagem. Além de simpático, o dono do lugar é bom de papo e, se não tivéssemos mais 220 km para encararmos no dia seguinte, era bem capaz de pedirmos uma garrafa de vinho e ficarmos mais tempo por ali.

Dia 6 – De Renguengos de Monsaraz a Alte (219.73 km / 2,497 m)

A ideia de sair mais cedo para evitar um pouco do calor não deu muito certo. Ainda assim, seguimos bem até Mértola. Fiquei aliviada quando vi que o caminho até Moura não era o mesmo que havia feito no brevet e finalmente conheci a barragem de Alqueva.

Um alívio antes de chegarmos à Mértola. Foto: Artur Vieira.

A estrada depois de Moura era um tanto mais movimentada do que as que tínhamos pedalado até então; mesmo com o asfalto mais esburacado, os motoristas aceleravam como se estivessem numa corrida. Por isso, foi um alívio para mim quando chegamos ao trecho de gravel. Além de ajudar um pouco com o calor, ficou bem mais tranquilo para pedalar. Como o David tinha avisado, a qualidade do gravel era realmente melhor do que a do asfalto onde estávamos antes.

Em Mértola, paramos para almoçar e ficamos de conversa com um cicloturista que ia de Faro para Estocolmo. Ali também cometi a besteira de pedir uma lasanha vegetariana ao invés de uma salada. Com o calor de 40ºC e a subida que veio na sequência, o estômago decidiu parar de colaborar e o restante da prova foi bastante sofrido, a ponto de eu ficar enjoada até mesmo com água.

Deixando para trás a última serra da prova. Foto: Artur Vieira.

Paramos em Doguenos para tomar sorvete, que felizmente, ainda descia bem, e depois fomos encarar as últimas subidas do dia. Não bastasse o estômago enjoado, comecei a ficar ofegante com qualquer mínimo esforço. Estava mesmo a me sentir miserável, porém, não tinha chegado até ali para desistir. O Artur avisou ao David que ainda demoraríamos um tanto e assim foi. Devagar e sempre.

Quando vi a primeira placa de Benafim, ganhei um novo ânimo e senti-me até mais forte para percorrer os quilômetros finais. Foi um alívio e uma emoção ao fazermos a curva e avistarmos o David a acenar para nós. Concluímos nossa primeira prova de ultra ciclismo.

Enquanto conversávamos, logo comecei a pensar em tudo o que poderia ter feito de maneira diferente para que a prova tivesse corrido melhor, mas logo me dei também um puxão de orelha para valorizar o fato de que, apesar das dificuldades não esperadas, tinha alcançado o meu objetivo: terminar a prova antes do tempo limite. Que venham as próximas! :)

Deixo aqui os meus parabéns a todos os que participaram e também um agradecimento especial para o David que está a fazer um trabalho incrível pelo ciclismo de longa distância, de gravel e de aventura em Portugal por meio da Finisterra.

Brevet Alqueva 400 km

Alqueva e o castelo de Monsaraz lá no fundo.

Depois de tantos anos, fiz minha inscrição para um brevet 400 km. A altimetria era tranquila, mas o frio da madrugada e, principalmente, o horário de largada me deixaram preocupada. Fui sozinha para esse brevet já que a Kika estava num misto de recuperação pós-Mallorca 312 e correria no trabalho.

Largamos à meia-noite de Vila Franca de Xira e logo fui ficando para trás, como já era esperado. Já estava na parte mais vazia e menos iluminada da estrada quando vejo um ciclista a pedalar na minha direção. “Não gosto de deixar ninguém para trás. Venha na minha roda, vamos a 30km/h para alcançar o restante do pessoal.” Agradeci e disse que se eu fosse naquela velocidade não daria conta de pedalar o brevet todo. Ele foi insistente e parecia não acreditar que eu já tinha feito outros brevets e que não via problema algum em pedalar sozinha à noite. De propósito, diminuí o ritmo até ele resolver seguir sozinho de novo.

Pouco depois, encontrei o Zé e seguimos juntos por alguns quilômetros com direito a uma parada em Montemor-O-Novo para um café. Pouco depois, em uma subida mais longa, embalei e acabei por ficar sozinha novamente. Vi o sol nascer quando estava na metade do caminho entre Évora e Reguengos de Monsaraz: o que me trouxe um alívio porque significava que já tinha encarado as horas mais geladas do brevet.

Parei em Reguengos para um café e para reabastecer as caramanholas com água. Depois de encostar a bike, alonguei as costas e um senhor falou em tom de brincadeira “Já está cansada a esta hora da manhã?”. Respondi que estava a pedalar desde Vila Franca de Xira e despertei a curiosidade dele e das outras mulheres que ali estavam. Assim que terminei meu café, uma das mulheres disse “Sandra, vou pagar o meu café e o da menina pelo feito”. Ainda disse que, caso eu precisasse de algo, ela estava a caminho do trabalho no centro de saúde, mas que torcia para eu não precisar de nenhuma ajuda desse tipo. Agradeci e voltei à estrada.

Pertinho da Espanha.

A região do Alqueva é bonita e gostei de ver o castelo de Monsaraz à minha esquerda. Fiz uma parada muito rápida no PC em Mourão e foi a partir daqui que começou o meu “porre” de estradas alentejanas. Elas parecem planas, mas são um suave e constante sobe e desce, que não permite embalar na descidas.

Depois de me reabastecer no segundo PC, em Moura, comecei a passar protetor solar nas pernas e um senhor veio me perguntar ser aquilo era creme para dor nas pernas. Respondi que esse ficaria para depois do pedal.

De Moura até Vidigueira, a estrada era uma reta que parecia não ter fim. No início, era bonito olhar os campos, mas depois a paisagem ficou tão repetitiva que me cansou. O calor estava cada vez pior e parei em Vidigueira para comprar água. Os donos do restaurante foram tão simpáticos e colocaram gelo nas minhas garrafas.

O PC 3 ficava em Alvito. Tentei ser agilizada como nos 300 km, mas o calor simplesmente me derrubou. O Júlio e o Francisco perguntaram se eu iria seguir com eles e respondi que ficaria mais um pouco, pois estava esperando minha alma voltar para o corpo.

Passei por eles pouco antes de Viana do Alentejo e seguimos juntos até o final do brevet. O calor estava realmente insuportável e fizemos paradas extras: uma para água e sorvete e outra para coca-cola e bifanas para eles. A última parada antes de Vila Franca de Xira foi para um café. Eu ia parar para alongar e eles me acompanharam. Embora eu não tenha problema em pedalar sozinha e à noite, foi bom ter a companhia deles. Os 86 km repetidos a partir de Montemor-O-Novo são um tanto entediantes e a conversa os tornou mais agradáveis.

A chegada em Vila Franca de Xira foi ótima apesar da subida sádica no final. Fomos recepcionados pelo Tiago Rainha em seu motor-home e tirei até um mini-cochilo enquanto voltávamos para Lisboa.

Curiosamente, o primeiro brevet 400 km que completei, foi o mais difícil do ponto de vista mental porque eu não estava preparada para o calor, os falsos planos, as retas intermináveis e as paisagens monótonas. De qualquer forma, está feito! Foram 412 km em 24h, incluindo as paradas.

Brevet 200 km – Évora

Vendo o sol se por enquanto ainda pedalo.

Depois de dois anos de espera devido ao covid, finalmente pedalei meu primeiro brevet com o clube Randonneurs Portugal. Já tinha enviado meu pedido de inscrição no clube e, assim que vi no calendário de provas que a primeira seria em Évora dali a 18 dias, fiz minha inscrição no brevet. Além da animação para voltar às longas distâncias, gostei da ideia de pedalar pelo Alentejo, uma das minhas regiões favoritas em Portugal.

Estava com saudade do clima dos brevets, da simpatia dos organizadores e da camaradagem dos participantes. Logo que cheguei, já comentaram com a outra ciclista, a Kika, que a segunda mulher inscrita na prova tinha aparecido.

No começo fui com ela e um amigo dela, mas percebi que o ritmo deles era mais do forte do que o meu e abrandei um pouco, afinal seriam 200 km e saber dosar o esforço é fundamental. Coloquei para tocar a playlist de podcasts que preparei especialmente para a prova e segui tranquila.

Parada estratégica para encher as caramanholas.

A prova tinha cinco postos de controle, sendo alguns “virtuais”. No primeiro, em Vimieiro, era preciso anotar no passaporte a data que aparecia numa estátua. Em Evoramonte, recebemos um carimbo da organização. O PC em Estremoz era num café numa praça, que ficou escondido por uma feira enorme. Passei batido e tive que voltar, assim com outros ciclistas. Em Redondo, além do carimbo feito pelo dono de um bar, precisávamos anotar a marca do café ali vendido. Monsaraz foi, sem dúvida, o PC mais bonito. De um lado, vista para o castelo, do outro, para a Espanha. A organização estava presente, mas o controle era anotar a data do monumento no mirante.

Novos amigos randonneurs.

Mesmo pedalando num ritmo mais fraco, encontrei a Kika e o Tiago em todos os postos de controle e também em Reguengos de Monsaraz, onde já havia planejado uma parada para pegar água. Saímos juntos, eles logo abriram de novo, mas os encontrei quando estavam a tirar fotos de um castelo. A partir de então, pedalamos juntos até o final.

Não pedalava um brevet desde 2014 e foi bom demais! Para coroar o dia, ainda fiz meu melhor tempo nessa distância: 10h15, quase uma hora a menos do que eu havia programado. Sem dúvida, foi um belo início para calendário de brevets 2022.

Cicloviagem Serra da Estrela e Rio Zêzere

Depois do trekking pelas Serras da Freita e da Arada, decidi que a próxima atividade ao ar livre durante as férias seria uma cicloviagem. A princípio, pensei em cruzar a fronteira pedalando e visitar a Espanha, porém, com a segunda onda do Covid-19 por lá, decidi ficar em terras lusitanas e comecei a traçar uma rota apenas para a região da Serra da Estrela, que depois foi alterada para incluir parte da Grande Rota do Zêzere (GRZ ou GR33).

1. Guarda – Nabainhos (53,71 km – 1.274 m)

Como sempre acontece comigo, o primeiro dia de cicloviagem geralmente vem depois de uma noite mal dormida devido ao misto de ansiedade e de ter ido dormir tarde para organizar os últimos detalhes. Fomos de trem até Guarda e já deu para admirar os morros pelos quais iríamos pedalar nos dias seguintes.

A temperatura estava mais fresca do que em Lisboa e, depois de um café, fomos encarar o percurso de longas subidas seguidas por longas descidas. 

No vilarejo de Videmonte, enquanto pegávamos água, um senhor puxou papo e fez questão de contar sobre a viagem de férias ao Brasil há uns tantos anos. Ele falou das cidades por onde passou, inclusive Itanhaém, onde cresci. 

Primeiro trecho da descida para Linhares da Beira. Foto: Artur Vieira.

A partir daí, seguimos por um trecho de terra que começou numa subida com muitas pedras soltas e depois virou um estradão quase plano. Seria perfeito para ganharmos um pouco de velocidade não fosse o vento contra ridículo e gelado. 

Linhares da Beira, uma das muitas aldeias históricas de Portugal. Foto: Artur Vieira.

A subida para Folgosinho foi puxada e sofrida, mas compensada pelo descida até Nabainhos, o nosso destino do dia. Aqui, conhecemos um casal muito simpático, a Paula e o Daniel, que disse que poderíamos acampar no quintal da casa deles. Eles administram a Quinta dos Gata, uma excelente hospedagem na região. 

Foi uma noite de troca de informações: falamos sobre bicicleta com o filho deles, o João, que está começando a pedalar mais a sério, e recebemos várias dicas sobre a região. Ainda experimentamos uma geleia de pêssegos divina feita pelo Daniel com as frutas do quintal.

2. Nabainhos – Manteigas (32,07 km – 968 m)

Dica preciosa dos Gata: a estrada entre Folgosinho e Manteigas, já no primeiro trecho de descida. Foto: Artur Vieira.

Como toda viagem que planejo, é claro que alteramos a rota. Desta vez as mudanças vieram ainda mais rápidas do que o usual, mas o motivo era nobre: uma das dicas do Daniel e do João foi sobre uma estrada que liga Folgosinho a Manteigas. Segundo o João, a estrada mais linda por onde ele já passou. A subida para Folgosinho foi gostosa, mas a partir daí ficou cansativa, com trechos íngremes. 

Já que não deu para conhecermos o Mondeguinho (outra dica dos Gata), ao menos cruzamos o Mondêgo. Foto: Artur Vieira.

A estrada realmente é bem bonita e vimos muitas indicações de trilhas para caminhada. Me senti pequena diante dos morros enormes que se erguiam ao nosso redor. Assim como na véspera, o caminho foi marcado por subidas e descidas longas e muitas curvas. A última descida, já na EN 232, foi um pouquinho mais movimentada, já que estávamos chegando à versão tuga de Campos do Jordão, e com bastante sombra das castanheiras carregadas de castanha-portuguesa. 

3. Manteigas – Unhais da Serra (43,35 km – 1.298 m)

No dia em que tínhamos a subida mais longa da viagem logo de cara, não foi nada animador acordar com cólica. Os primeiros quilômetros foram sofridos, gelados e eu só conseguia pensar na Stacy Sims explicando como o ciclo menstrual influencia o desempenho das mulheres nos esportes.

Uma subida linda dessas e meu útero me torturando. Foto: Artur Vieira.

Já tinha feito essa estrada de carro durante um inverno e foi bem legal ter a chance de tirar fotos ao longo do caminho desta vez – a estrada é de pista simples e sem acostamento. Quando chegamos ao Covão d’Ametade, paramos até para passar um café, que foi animador para enfrentarmos a segunda parte da subida, um tanto mais puxada – embora uns motoqueiros tenham jurado que o pior já tinha ficado para trás.

Alguém estava beeeeeem feliz no ponto mais alto de Portugal continental. Foto: Artur Vieira.

Fiquei super feliz ao chegarmos ao ponto mais alto de Portugal continental de bike, embora, sem neve desta vez. Comemos, bebemos o resto do café, tiramos fotos e voltamos para a estrada porque agora era “só” descer. 

Depois de muito subir, agora é só descer pelos próximos 20km. Foto: Artur Vieira.

Achei lindíssimo o caminho até Unhais da Serra e passamos pelo segundo trecho de gravel da viagem – evitamos o restante porque a trepidação deste dia foi tanta que inchou bastante meu cotovelo com placa (ele tem estado chatinho desde um tombo besta). Em uma das várias curvas em cotovelo do caminho, ainda tive o privilégio de ver um pássaro enorme levantar voo bem na minha frente.

Segunda viagem acampando com as sensacionais redes Kampa. Foto: Artur Vieira.

O acampamento do dia foi à beira do rio Zêzere, em um estacionamento para autocaravanas. Encerramos o dia muito bem com banho de rio, jantar caprichado, queijo de Seia e acampamento com redes.

4. Unhais da Serra – Cambas (57,54 km – 1.050 m)

O friozinho da manhã me fez enrolar um pouco dentro do saco de dormir. Caprichamos no café e partimos para 20km gelados de descida. As estradas eram tranquilas e as paisagens bem bonitas. Em alguns trechos, víamos o rio Zêzere e os morros da Serra da Estrela ao fundo. Deu até mesmo para vermos as torres no topo.

Cerca de um mês antes, não poderíamos pedalar por essa região devido aos incêndios.

Pedalamos um trecho próximo à Aldeia de São Francisco de Assis, que foi atingido por incêndios no final de agosto e começo de setembro deste ano. Além do cenário desolador, pairava no ar um resquício do cheiro de queimado. Por sorte, a aldeia não foi atingida. 

Ficamos um tanto decepcionados com Dornelas do Zêzere, que é bem menor do que imaginamos que seria. Ao menos, encontramos moradores muito simpáticos, como a senhora que ao me ver agachada num pedacinho de sombra a olhar o GPS disse: “Ô, menina, sente-se no banco daqui de casa para descansar” e ainda nos ofereceu água e uma cervejinha. Aceitamos a primeira, mas, apesar da tentação por causa do calor, educadamente recusamos a segunda. 

Encerrando os trabalhos do dia em Cambas. Foto: Artur Vieira.

Depois do frio da manhã, a temperatura subiu bastante. Em Cambas, encontramos uma praia fluvial com excelente estrutura (banheiros, água corrente, mesas e área coberta) e decidimos encerrar o dia por ali. Nosso acampamento foi em uma estação intermodal da Grande Rota do Zêzere, um percurso de 370km que pode ser percorrido à pé, de mtb ou de canoa. Nessas estações intermodais, há espaços para armazenar bicicletas e canoas para quem desejar alternar os meios de transportes ao longo do caminho. 

5. Cambas – Cerejeira/Ferreira do Zêzere (77,08 km – 1.294 m)

Não sei se foi o frio da manhã mais gelada da viagem ou a subida que teríamos que encarar a seguir, mas enrolamos bastante para sair. De volta à estrada, logo de cara foram cerca de 5km com 400m de altimetria. 

O dia começou com uma subida de 4,9km e 393m.

Mais ou menos na metade da subida, fomos ultrapassados por um ciclista com bolsas de bikepacking na bicicleta. Perguntei se ele estava fazendo o Portugal Divide e ouvi em tom de surpresa “vocês conhecem essa prova?”. “Lógico que sim! Inclusive, dois amigos completaram no ano passado”. Acompanhei pela página da prova e vi que o Paulo Barbas também concluiu o desafio.

Por coincidência, esse trecho por onde estávamos pedalando havia sido percorrido por esses mesmo amigos, o Tux e a Gabi. Ao que parece, é uma rota usual no Portugal Divide.

Neste dia pedalamos por estradas mais movimentadas e, portanto, chatinhas. Embora houvesse acostamento com espaço suficiente para pedalarmos com segurança, é um tanto maçante ficar ouvindo o barulho dos carros. Encontramos vários motociclistas e, em uma das paradas, gastei meu alemão para confirmar que estavam a fazer a EN2, uma rota bastante popular em Portugal.

Pedal do dia encerrado, redes e tarp montadas, agora é tomar banho e jantar. Foto: Artur Vieira.

O acampamento do dia foi em Cerejeira, na zona rural de Ferreira do Zêzere. Para chegar lá, pedalamos 10km a mais do que havíamos planejado para o dia. Isso porque não encontramos nenhum lugar que nos agradou em Dornes. O camping Quinta da Cerejeira é gerido por holandeses e tem uma ótima estrutura. Aproveitamos bem já que éramos os únicos hóspedes. 

6. Cerejeira/Ferreira do Zêzere – Fátima (48,61 km – 739 m)

Apesar de estar bem instalada, não tive uma boa noite de sono. Acordei de madrugada com um pernilongo me atormentando e depois, com a chuva. Por sorte, tínhamos montado a tarp, mas meu saco de dormir molhou um pouquinho na parte que ficou descoberta.

Até que enfim um lugar para comprar uma câmara de ar ou um mini automóvel.

Antes de seguirmos para o destino do dia, fomos até o centro de Ferreira do Zêzere onde finalmente encontramos uma bicicletaria (entre outras coisas) para comprarmos uma câmara nova para o pneu dianteiro do Artur. Na descida para Unhais da Serra, ele parou a bike num lugar com espinhos e é óbvio que “deu ruim”. A câmara reserva que levávamos rasgou no bico pouco depois de ser trocada, o primeiro remendo não pegou direito e depois foram surgindo outros microfuros. 

Como estávamos indo para uma região mais povoada, imaginamos que as estradas seriam um tanto sem graça e nos enganamos. Havia trechos muito bonitos e, a melhor parte, figueiras com figos deliciosos. Apesar do vento e das nuvens, escapamos da chuva e, pouco depois do almoço, chegamos à Fátima. Optamos por ficar em um hotel, o que foi muito bom para secarmos os sacos de dormir, as redes e a tarp.

Jantamos com um primo do Artur que nos levou a um restaurante peculiar. Ao chegarmos, parecia fechado, mas, como um assíduo frequentador, ele nos levou para uma porta lateral e depois descemos para a cave. Nada como estar com um local.

7. Fátima – Entroncamento (39,67 km – 231 m)

O último dia de viagem era o mais tranquilo em termos de altimetria, praticamente, só descida. Para “animar” um pouco, o tempo amanheceu chuvoso e com rajadas fortes de vento – depois li que a região central do país estava em alerta amarelo por causa de uma depressão, com rajadas de vento que poderiam chegar a 85km/h no litoral e seriam sentidas em todo o interior. Animador, huh?

Foto depois do café em São Mamede. Foto: Artur Vieira.

Mesmo assim, insisti em um pequeno desvio na rota e fomos tomar café e comer um salame de chocolate numa freguesia vizinha de Fátima, a pequena São Mamede. De quebra, ainda descobri que existe um “Caminho de Nazaré”.

A chuva deixou o pedal gelado. Meu peito estava aquecido, mas senti falta de um par de cobre-sapatilhas e de luvas de dedos longos. Em geral, pegamos estradas tranquilas e, no tramo com caminhões, éramos bastante respeitados. Fiquei tensa apenas quando, ao fazer uma curva em uma rotatória, o vento quase me jogou para fora da estrada. Pelos menos, tivemos um trecho de vento a favor que rendeu bastante.

Descemos a Serra de Aires e Candeeiros, passamos por Torres Novas e logo mais chegamos à estação de trem em Entroncamento. O pedal rendeu mais do que imaginávamos e ficamos duas horas esperando nosso trem – mais tempo do que a viagem de 52 minutos até Lisboa.

Apesar de ter planejando tanto o roteiro, adorei o fato de termos feito quase tudo diferente. Usamos bastante o Komoot para traçar os percursos diários e, em geral, eles nos direcionou para estradas tranquilas e bem bonitas. Vai demorar um pouco até eu tirar férias de novo, mas já estou animada para as próximas minicicloviagens.

Para quem quiser mais informações sobre a rota que percorremos, subi o gpx no Wikiloc.

Trekking nas Serras da Freita e da Arada

Pernoite Serra da Arada

Quintal do primeiro pernoite.

O primeiro trekking em terras portuguesas, sem dúvida, o mais difícil que fiz até hoje. Depois de considerarmos algumas opções, seguimos a excelente sugestão dos Bons Selvagens e fomos encarar a rota O Morto que Matou o Vivo.

Gestoso à Serra da Arada

O início do trekking foi em Gestoso e, considerando que o trajeto é circular, o jeito mais fácil de chegarmos lá foi alugar um carro. Pegamos a estrada pela manhã, contudo, considerando alguns atrasos de praxe, iniciamos a caminhada às 15h50, o que não foi tão ruim já que os dias são mais longos nesta época do ano. Em pouco mais de 4km, passamos pelas aldeias Gestoso, Gestosinho e Bondança, antes de começarmos a primeira subida mais íngreme.

TarpOca

Com a previsão de tempo bom, deixamos a barraca em casa.

A primeira noite foi em meio a torres eólicas, com vista para diversos morros. Achei um luxo montar o acampamento às 20h e jantar ainda com luz do dia. Quando escureceu, foi interessante ver as luzes acesas ao longe e notar que há muito mais aldeias por ali do que consegui enxergar durante o dia.

Não dormi tão bem quanto esperava e, pela manhã, senti as primeiras dores musculares, mas acordei bem disposta e animada pelo nascer do sol visto do alto. Depois de um bom café, partimos às 9h.

Serra da Arada a Drave

Quando descer cansa

Muito cuidado para não escorregar nessas pedras.

Logo no começo do segundo dia, encaramos o trecho que considerei o mais exaustivo de toda a travessia. Foram apenas 2km em uma descida tão tensa que levamos quase 4h para percorrê-la. Além de íngreme (mais de 300m de desnível), era um curso de água com pedras escorregadias e cercado por vegetação. Alguns troncos e galhos foram providenciais, mas era preciso tomar cuidado já que uma das plantas da região é cheia de espinhos.

No final, cruzamos uma estrada e passamos pela pequena Póvoa das Leiras. Era dia de mercado e foi singular perceber que se tratava de um minimercado sobre rodas. Cumprimentamos os locais, enquanto um senhor separava os pedidos de dentro do baú.

Ao deixarmos o trechinho de asfalto da vila para trás, notamos setas indicando o caminho da Ultra Trail Serra da Freita. O percurso era contrário ao que estávamos seguindo e fiquei pensando em como seria subir os mesmos 2km molhados que havíamos percorrido.

As árvores do caminho

A vista da véspera foi o caminho do dia.

Voltamos a subir por uma trilha bem bonita em uma encosta até chegarmos ao cume da montanha oposta ao nosso acampamento da noite anterior. Apesar de ser mais aberto, lembrei da crista do Capim Amarelo, na Serra Fina. A descida, que começou suave neste ponto, logo se tornou acentuada até chegarmos ao Rio Paivó, onde aproveitamos a água para relaxar antes de encararmos a próxima subida.

Depois de mais um cume, passamos a outra encosta e, em seguida, a uma estrada de terra. O dia rendeu mais do que o esperado e logo estávamos na aldeia desabitada de Drave. Embora não haja moradores desde 2000, descobrimos que o local é um ponto turístico popular tanto pela sua história, quanto pelos rios e cachoeiras ao seu redor. Foi o lugar onde encontramos mais pessoas durante todo o percurso, 12, talvez.

Aldeia desabitada

A aldeia de Drave e suas casinhas de pedra.

A aldeia é pitoresca com suas casas de pedra e telhados de xisto, algumas das quais foram compradas pelos escoteiros com o intuito de criarem uma Base Nacional. Sem dúvida, é um lugar para voltar com mais tempo para explorar as trilhas e aproveitar as águas.

Para encerrar o dia, finalmente, estreei minha rede Kampa e dormi super bem. Com os ombros doloridos por causa da mochila, a rede foi bastante confortável e isso não é jabá.

Drave a Rio de Frades

A saída de Drave foi morro acima, claro, e logo despencamos metade da altimetria que acabáramos de ganhar; a descida era cheia de pedras soltas e exigia atenção.

Mar de morros portugueses

Para sair de Drave é preciso subir.

Levando em consideração nosso atual condicionamento físico e o tempo que nos restava para completar o percurso, o Artur havia proposto um plano B, encurtando a rota num ponto mais adiante. O problema era saber se conseguiríamos atravessar o rio no local. Como “navegadora” expliquei que ali era o momento de decidirmos o que fazer e optamos por percorrer um trecho no asfalto até voltarmos à continuação da trilha. Isso nos permitiu ver por onde saímos de Drave e conhecer o chamado Portal do Inferno e Garra.

O rio é a trilha

Quando o rio é a trilha.

A volta à trilha nos levou por um pequeno riacho e fomos descendo até Regoufe, a única aldeia do caminho onde encontramos um lugar para comer, o Café Montanha, e aproveitamos para tomar uma cerveja já que o calor por aqui não é brincadeira. Vale também pela simpatia no atendimento.

De Regoufe a Covelo de Paivó

De Regoufe a Covelo de Paivó por uma estradinha tranquila.

De Regoufe a Covelo de Paivó são 4km praticamente de descida. Ao passar pela aldeia, um senhor que acabara de encostar sua bicicleta num cantinho veio conversar comigo para confirmar se estava vindo de Regoufe e saber qual meu destino. Me despedi com a recomendação para aproveitar enquanto tenho forças.

Trilha pelo rio

Quando o rio é novamente a trilha.

Saindo da aldeia, a trilha seguia por mais um rio. Meu primeiro pensamento foi que não haveria subidas ou descidas fortes e esse trecho renderia. Não poderia estar mais enganada. Alguns pontos nas margens eram tranquilos para caminhar com um pouco de areia ou pedras, outros estavam tomados por árvores, arbustos e a infame planta cheia de espinhos. Alternamos a margem, mas era preciso estar atento aos pontos em que dava para atravessar de um lado para o outro.

O cansaço foi aumentando conforme a luz do dia diminuía. Pensamos em acampar numa parte um pouco mais alta ao lado do rio, mas as marcas de cheias passadas não eram animadoras. Apesar de uma previsão do tempo boa, um quê de prudência sempre vai bem.

Superando obstáculos

Algumas das árvores caídas que encontramos no caminho.

Como o Rio de Frades corre entre colinas com plantações de eucalipto, logo notei os terraços nas encostas e deduzi que levariam a uma estrada. Com várias árvores caídas pelo caminho, a solução foi “escalar” algumas delas até uma estrada dentro da plantação e então para a estrada principal.

Pernoite no ponto de ônibus

Registro do nosso último acampamento antes de desmontarmos as redes.

Chegamos à parte baixa da aldeia Rio de Frades pelo asfalto e optamos por ficar na parte baixa que é mais vazia e também porque eu estava sentido uma dor nada agradável no joelho. Montamos as redes em um ponto de ônibus na parte recuada de uma curva e dormimos embalados pelo som do rio.

Rio de Frades a Gestoso

Rio de Frades

Parte alta de Rio de Frades com suas casas de pedra e hortas.

Acordamos cedo para nosso último dia de caminhada. A trilha nos levou à parte alta da aldeia e fiquei encantada com o charme do lugar. Nosso caminho era o mesmo da PR6 (Pequena Rota), também conhecida como Caminho do Carteiro, que liga Rio de Frades a Tebilhão, passando por Cabreiros.

Vista quase no final da subida

Nada mal tomar um segundo café da manhã com uma vista dessas.

No final da parte mais íngreme da subida e antes de a trilha seguir por um bosque, fizemos uma pausa para apreciar a vista enquanto tomávamos o segundo café da manhã. Troquei rápidas palavras com uma senhora em Cabreiros e seguimos para Tebilhão por uma estradinha curta, que me lembrava paisagens de filmes da Idade Média.

Cabreiros e Tebilhão

Tebilhão vista a partir de Cabreiros.

Continuamos por um trecho da GR28 (Grande Rota), com um desvio à la Bons Selvagens, por uma canaleta de água. Os espinhos irritantes estavam lá, mas com o calor que fazia era bem melhor do que seguir pelo asfalto. Subimos mais um pouco e chegamos a outro riozinho convidativo para uma pausa.

Enfim, Gestoso

Encerrando o primeiro trekking em terras portuguesas

A subida continuou suave e cercada por árvores por uns 2km e foi sofrido dar adeus às sombras e voltar ao sol quente. Encaramos uma última ladeira e avistamos novamente a paisagem rochosa em torno de Gestoso que tanto me fazem pensar no Parque Nacional de Itatiaia. Pouco depois, já foi possível avistar a aldeia. Encerramos o trekking e pegamos a estrada de volta para Lisboa.

Montanhas Mágicas

O caminho que percorremos faz parte de uma região chamada de Montanhas Mágicas e é óbvio que o nome me fez pensar nas Montanhas Mágicas da Mantiqueira. Assim como a Serra que Chora, as montanhas portuguesas nos presentearam com muita água, paisagens lindas e subidas de respeito.

O trekking foi mais puxado do que eu esperava, ainda mais depois de um ano e meio sem colocar a cargueira nas costas e dois meses de quarentena. Por termos encurtado o percurso, deixamos de percorrer justamente o trecho do Morto que Matou o Vivo, que foi a inspiração para esse destino. Sem problemas, isso já me atiçou para traçar uma rota em que ele esteja incluído.

Números

Dados gravados no Garmin eTrex Touch 35 e exportados para o Strava.

  • Gestoso à Serra da Arada: 9,39 km – 531 m
  • Serra da Arada a Drave: 13,48 km – 720 m
  • Drave a Rio de Frades: 20,44 km – 839 m
  • Rio de Frades a Gestoso: 13,39 km – 988 m

Usei os mesmos arquivos de GPX no Google Earth e o resultado foi 6km a menos percorridos. Vai entender! Se alguém souber, os comentários estão abertos.

Google Earth

Google Earth indica 6km a menos do que o Garmin/Strava. 

Minicicloviagem no Alentejo

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Entre Évora e Reguendos de Monsaraz.

Para comemorarmos nossos aniversários, decidimos fazer uma viagem curtinha de bicicleta pelo Alentejo, aproveitando dois dias de folga do Artur. Tracei a rota seguindo a sugestão da querida Luana, que nos recomendou algumas vezes uma visita ao Castelo de Monsaraz. Optamos por ir de trem (comboio) até Évora e gostamos da facilidade que foi viajar com as bikes – há um espaço reservado no vagão, com ganchos para pendurá-las.

Começamos a pedalar depois do almoço. Em poucos quilômetros, passamos da cidade para a zona rural. O asfalto foi substituído primeiro por uma estrada de terra batida com pouco cascalho e depois por trechos com pedras maiores e um pouco de areia. Em certo ponto, vimos uma placa indicando que estávamos em um trecho do Caminho de Santiago Português, na versão do interior. A paisagem nessa região é linda e fizemos muitas paradas para admirar a vista e tirar algumas fotos.

Confesso que tracei a rota sem me preocupar muito com o terreno. Apenas usei a opção “follow roads” do Ride with GPS e fomos surpreendidos por trechos mais técnicos, tanto em descidas quanto em subidas. Deu saudade de uma mbt (btt), mas fomos bem com nossas tourings.

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Caindo de amores pelo Alentejo.

Fizemos uma pausa mais longa em Montoito para comermos algo e, pelo horário, decidimos ir direto para Reguengos de Monsaraz ao invés de visitar o castelo.

A quantidade de vinícolas faz jus ao título de capital dos vinhos de Portugal. Fizemos boas escolhas na cidade. A hospedagem na Casa Monsaraz foi ótima – o café a manhã (pequeno almoço) estava delicioso e havia espaço para deixarmos as bikes. O jantar foi no Chafarica Tapas & Wine Bar, com mais opções vegetarianas e um delicioso lanche de cogumelo – sugestão do atendente.

Castelo de Monsaraz

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Videira no castelo e pedras como na subida.

Como não poderia faltar, no dia seguinte fomos ao Castelo de Monsaraz, próximo à fronteira com a Espanha. Optamos por uma subida alternativa, um calçamento de pedras onde o mato já estava alto. Ali ainda havia fitas marcando o trajeto de uma prova de btt.

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Muito talento nas selfies. Só que não!

Aproveitamos a vista e duas taças de sangria antes de pegarmos o rumo para Évora.

A volta foi pelas estradas EN 256 e 18. Ainda próximos ao castelo, vimos um carro capotado e uma van (carrinha) com parte da lateral avariada. Mas essa visão não serviu de estímulo aos outros motoristas para tirarem os pés do acelerador. Foram poucos os motoristas que realmente tomaram a distância correta ao nos ultrapassarem e ainda menos aqueles que seguiam na velocidade máxima da via.

Paramos em Vendinha para um café e um pastel de nata e ficamos um tempo ali observando o ritmo tranquilo da cidade. Como a estrada não tinha nenhum atrativo, os últimos quilômetros foram pedalados no esquema “vamos pegar o penúltimo trem ao invés do último?”.

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Agora é só pegar o trem de volta para Lisboa.

Mesmo curta, nossa primeira cicloviagem em Portugal nos deixou bastante animados e mal vemos a hora de conhecermos outros caminhos.

Serra Fina em três dias

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Casinha na montanha.

Depois de adiar algumas vezes a travessia da Serra Fina, finalmente, surgiu a chance de riscá-la da minha “lista de desejos”. Nem me lembro direito como foi, mas, quando dei por mim, estava planejando por a façanha em prática no final de julho com as queridas Luana e Sofia.

Para facilitar a logística, minha mochila e parte da comida e do equipamento ficaram com a Lu e a Sofi já que o combinado era elas me pegarem de carro no trabalho na sexta-feira. Tive uma semana bem corrida antes da travessia, com direito a viagem a trabalho, e o companheirismo que eu já sabia existir foi reforçado mais ainda quando recebi uma foto com as três mochilas organizadas pelas duas.

Na sexta, tivemos alguns contratempos e acabamos chegando depois da meia-noite em Passa Quatro. Agilizamos o que foi possível na hora e fomos dormir. Nosso transfer estava agendado para as 4h30, mas o atraso foi grande e a Patrícia chegou quase às 6h da manhã. Pelo menos, deu tempo para tomarmos o café da pousada já que o Sérgio e a esposa prepararam tudo às 5h30.

Primeiro dia – Da Toca do Lobo até depois do Maracanãzinho (8,6km)

No caminho para a Toca do Lobo havia vários corredores de montanha. E eu sabia de alguns conhecidos que estavam por ali para realizar meia travessia, mas vi que tinham saído bem cedo e, pelo ritmo deles, com certeza, não iríamos nos encontrar (e não nos vimos mesmo). Nos deparamos também com grupos guiados, que iriam fazer a travessia em dois dias, e descobrimos que algumas agências oferecem o serviço de porteadores, que levam as barracas e parte da comida para o local do pernoite.

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Mesmo começando mais tarde, ainda pegamos trechos com bastante sombra.

Começamos a caminhada às 6h45, subindo sem pressa. Tínhamos lido que o trecho até o Capim Amarelo é o pior pelo ganho de altimetria e não queríamos abusar, porém, notamos que a subida é íngreme, mas menos dura do que havíamos imaginado.

Paramos ora para tirar o casaco, ora para fotos, ora para um lanchinho mais longo e, ainda assim, chegamos às 11h35 ao cume do Capim Amarelo (2.491m). Ficamos felizes, pois ouvimos que não chegaríamos ali antes das 14h. Nesse cume rolou a primeira coincidência da travessia: dei de cara com a Valéria, minha professora de corrida, que mora em Passa Quatro há alguns meses.

Logo continuamos o caminho e íamos ultrapassando e sendo ultrapassados por dois mineiros de São Gonçalo do Pará (arredores de Divinópolis-MG). Passei o track da travessia para um deles usando o sistema de transmissão wireless do gps (adorei descobrir essa funcionalidade) e nos despedimos deles por volta das 16h30, quando encontramos um ponto com vista para a Pedra da Mina e decidimos acampar por lá.

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Vista do nosso primeiro camping; a Pedra da Mina fica à esquerda desse pico.

Nosso plano inicial era ficarmos na base da Pedra da Mina, mas o atraso da saída, a vista do camping e o risco de não encontrarmos lugar para nos instalarmos por lá (tinha muita gente na trilha!) nos fizeram mudar de ideia. Montamos a barraca com calma e aproveitamos os últimos raios de sol – que aliviavam o frio provocado pelo vento – para trocarmos as roupas fedidinhas da trilha por outras mais quentinhas e limpinhas.

Devido à alteração do local do pernoite, tivemos que racionar um pouco a água. Ainda tínhamos o suficiente para bebermos tanto à noite quanto pela manhã e até para um cafezinho, mas jantamos lanches ao invés de cozinharmos. Enquanto comíamos, ficamos atentas aos ratos que rondavam nossa comida – um deles chegou a passar pelo meu pé.

Fomos muito cedo para a barraca (18h). O cansaço das últimas noites mal dormidas e o esforço desse primeiro dia fez com que dormíssemos logo, com direito apenas a uma espiada na bela lua cheia. Por volta das 22h, o vento aumentou bastante e acordamos várias vezes à noite por causa do barulho.

Segundo dia – Camping depois do Maracanãzinho até o bambuzal (8,4km)

Por termos deitado tão cedo, achamos que acordaríamos a tempo do nascer do sol, mas nos enganamos. Saímos da barraca às 7h, vestimos as roupas de trilha e preparamos o café: pão sírio com pasta de amêndoas e especiarias, abacate, queijo, salame (para a Lu e a Sofi, eu sou vegetariana) e café, claro.

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Com tempo bom, a travessia da Serra Fina oferece um festival de paisagens deslumbrantes.

Tratamos o dia por etapas e a primeira era nos reabastecermos com água. Quando chegamos ao rio Claro na base da Pedra da Mina, ficamos revoltadas ao vermos papel higiênico ali perto. Aliás, essa foi uma tristeza por todo o caminho: muito papel e lencinhos ao longo da trilha.

Enchemos nossas garrafas, esperamos o hidroesteril agir, matamos a sede e tornamos a completar nossos vasilhames antes de começarmos a subida.

No cume da Pedra da Mina (2.798m – quarto mais alto do país), encontramos um pessoal que estava fazendo bate-e-volta via Paiolinho e ficamos papeando enquanto descansávamos um pouco e comíamos. Eles nos ofereceram sequilhos (aceitos de muito bom grado pela Sofi) e bolachas, mas estávamos bem abastecidas com comida.

 

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Vale do Ruah, Cupim de Boi, Cabeça de Touro, Pico dos Três Estados e o Itatiaia mais ao fundo.

A passagem pelo Vale do Ruah foi tranquila e rápida graças ao gps. O capim estava bem marcado em vários pontos, o que pode levar a alguma confusão em relação à trilha, embora, com tempo aberto, seja fácil identificar a direção que deve ser seguida.

No final do vale, há o último ponto de água até o final da trilha, o rio Verde. Paramos para encher as garrafas e o dromedário que a Lu carregava justamente para esse momento. A Sofi e eu levamos quatro litros cada uma e a Lu, quatro e meio.

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Cupim de Boi à direita e Pico dos Três Estados.

Seguimos no sobe e desce de cumes até o Cupim de Boi (2.543m) e assistimos a um pôr do sol espetacular. Mesmo atentas ao horário, pois não queríamos descer do cume no escuro, tivemos tempo para admirarmos a luz batendo nas formações do Itatiaia.

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Por do sol no cume do Cupim de Boi com vista para o Agulhas Negras e as Prateleiras.

Nessa hora, as pernas sentiam o esforço da véspera e eu ainda tinha o agravante de ser uma pessoa sem muito fôlego (e que havia doado sangue 15 dias antes). Fomos um pouco mais lentas e decidimos pernoitar no bambuzal, uma grande área de camping logo depois do cume do Cupim de Boi. O lugar é excelente, com bastante espaço para barracas e a proteção dos bambus. No entanto, ficamos horrorizadas ao vermos uma sacola de supermercado cheia de lixo, amarrada e encostada em um canto como se a espera do lixeiro. É muita falta de consciência!

Aproveitando o espaço, montamos a barraca e a tarp, garantindo o conforto do quarto e da cozinha. Usamos lencinhos umedecidos para uma limpeza básica e passamos ao preparo do jantar. Carregar toda aquela água compensou e nosso menu foi: bis, missoshiro, macarrão de feijão preto (opção de proteína) com cogumelos, queijo e bastante azeite e chá de capim cidreira com camomila, para nos aquecer e hidratar. Os ratos nos fizeram companhia de novo durante todo o jantar e tínhamos que ficar atentas.

Antes de dormir, fizemos um pouco de liberação miofascial e aplicamos um gel relaxante para os músculos. Em relação à noite anterior, a sensação de frio era menor (não levamos termômetro para saber a temperatura correta) e dormi com menos camadas. A Sofi era a calorenta do rolê e a Lu, o oposto.

Terceiro dia – Camping do Bambuzal até a rodovia (11,7km)

Ignoramos nossos planos de sair cedo para saborearmos o café da manhã sem pressa: crepioca, abacate, pasta de amêndoas com especiarias, mel, queijo meia-cura feito pela mãe da Lu (di-vi-no!) e café.

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Pausa para o lanche no Pico dos Três Estados.

Após uma bela escalaminhada, chegamos ao cume do Pico dos Três Estados (2.665m) às 10h15, com uma hora de caminhada. Cerca de dez minutos depois, apareceu um casal que estava fazendo a travessia em dois dias e aí tivemos a segunda e maior coincidência da viagem. Conversa vai, conversa vem, a Lu descobriu que o rapaz é primo de um cara que estudou com a irmã dela. Mundinho pequeno!

Ao assinarmos o livro do cume, vimos vários comentários que se referiam ao Pico dos Três Estados como o último cume da travessia, mas sabíamos que ainda tínhamos o Alto dos Ivos (2.520m) pela frente. Só não sabíamos que ele também exigiria uma escalaminhada. Chegamos ao topo às 13h15 e aproveitamos para fazermos um lanche mais reforçado e também avisarmos a Patrícia (Adventure Transfer) sobre nossa posição para que ela tivesse tempo de se programar para nos buscar.

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Sofia admirando os cumes que ficaram para trás.

A partir desse ponto começamos a descida. As pedras e a inclinação demandam atenção e os bambus (definidos com precisão como bambus-do-capiroto pelos meus amigos do Se ela corre, eu corro!) são um tormento à parte. Eles enroscam, arranham, provocam hematomas e são consistentes por quase todo o caminho.

Conforme fomos baixando a altitude, notamos a mudança na vegetação e logo estávamos na estrada que leva ao sítio do Pierre e depois à rodovia que liga Itamonte à Dutra. Chegamos dez minutos antes do tempo estimado pela Patrícia, que foi nos buscar com pão-de-queijo e Guaranita (eba!).

De volta à pousada, tomamos banho, passamos um café e pegamos a estrada. Em relação à travessia, não poderia ter tido estreia mais perfeita na Serra Fina. O tempo colaborou e tivemos céu azul e vistas incríveis quase que o tempo todo – algumas poucas nuvens nos deixaram receosas em relação à chuva, mas foi só receio mesmo. Minhas companheiras de trilha foram (e são) incríveis! Obrigada, Lu e Sofi, pelos momentos compartilhados e que venham outros. E fica um agradecimento especial ao Artur que, a distância, nos acompanhou, torceu e incentivou.

17º Encontro de Cicloturismo

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Foto oficial do 17º Encontro. Créditos: Walter Magalhães.

Neste ano, encerramos nossas férias no 17º Encontro Nacional de Cicloturismo e Aventura, organizado pelo Clube de Cicloturismo do Brasil. Mesmo tendo bastante contato com o pessoal do clube (até demos uma palestra sobre a viagem para o Equador), essa foi a primeira vez que participamos do evento, que acontece todos os anos no feriado de Corpus Christi, em Campos do Jordão.

O encontro foi uma oportunidade ímpar para revermos amigos queridos e ainda conhecermos outras pessoas com o mesmo interesse por viagens de bicicleta.

A programação desta edição incluía palestras de pessoas cujas viagens acompanhei pelas redes sociais como a Andrea e o Bruno (Larguei Tudo e Fui) e o Ricardo Martins (Roda América e agora Roda Mundo), de figuras bastante conhecidas no mundo do cicloturismo como a Rafaela e o Olinto e ainda alguns que eu não conhecia e foram surpreendentes como a Taline e o Acauã (Amorbikecafé) e o José Guilherme Veiga (Ushuaia-Alasca).

Foram quatro dias intensos que passaram rápido demais. Em meio a conversas, risadas e aprendizados, tivemos espaço para muita emoção. O agradecimento por um par de alforjes sorteados veio em forma de poesia e foi difícil conter as lágrimas. Dona Hercília comoveu muita gente com suas palavras ao agradecer o mimo trazido pelo, agora amigo, Veiga.

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Ouvindo as histórias do José Guilherme Veiga.

Foi dele também a palestra que mais me marcou. Com muito bom humor, ele contou sobre tudo o que deu errado em sua jornada: dor no joelho, vento contra por todo o caminho, companheiro de viagem que foi embora sem avisar, bicicleta quebrada no meio da Dalton Highway (estrada no Alaska simbólica até na quilometragem: 666km) e, no final, assistir à cena dos ursos destruindo sua bicicleta e alforjes.

Alguém que nunca fez uma viagem de bike poderia pensar que essa é uma tremenda furada, mas o vídeo que ele mostrou na sequência, repleto de paisagens lindas e sorrisos enormes, confirmou que, apesar dos momentos difíceis, viajar de bicicleta traz leveza e muita felicidade.

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Parte da galera no segundo dia de pedal autoguiado.

Além das palestras, o encontro inclui sugestões de roteiros para pedais autoguiados e um pedal coletivo no penúltimo dia, em ritmo tranquilo. Neste ano, fomos a uma cachoeira encarando subidas e descidas na região de Piranguçu.

Quem quiser mais informações sobre as atividades basta acessar o site. O clube promove ainda uma palestra mensal e gratuita no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, uma ótima chance para entrar em contato com apaixonados por cicloviagens.

Aproveito para deixar aqui meus agradecimentos ao pessoal do clube pelo convite e pela oportunidade de ter participado desse encontro. Obrigada, de coração!

Cicloviagem de férias na Mantiqueira

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Cicloviagem pela Mantiqueira: morros que não acabam mais.

Com a aproximação das férias, decidi que queria fazer uma viagem de bicicleta. Primeiro, pensei em conhecer o Circuito das Araucárias, em Santa Catarina, mas resolvi traçar uma rota pela região da Mantiqueira (amo!), facilitando a chegada ao Espaço Araucária (acabamos deixando o carro lá), onde participamos do 17º Encontro Nacional de Cicloturismo.

Como a altimetria era pesada e estávamos pedalando pouco, optamos por ir sem equipamento de camping e dormir em pousadinhas. Instalamos bolsas de selim no esquema bikepacking; usei ainda a bolsa da Vó Joaquina no guidão e uma pochete; o Artur foi com dois porta-volumes de guidão da marca Aresta e uma mochila de ataque.

Dia 1 – Do Espaço Araucária a Itajubá (48,4km – 976m)

Para traçar as rotas no Ride with GPS, uso muito as imagens de satélite do Google Maps e isso, às vezes, resulta em algumas surpresas pelo caminho. Logo nos primeiros quilômetros da viagem, caímos em um quintal e a dona nos informou que a estrada foi fechada devido a uma briga de vizinhos.

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Itajubá acabou sendo o destino do primeiro dia de viagem.

Com a mudança de planos, voltamos pelo mesmo caminho e fomos em direção à cidade de Piranguçu. Encaramos a subida da serra de São Bernardo e passamos pela represa de mesmo nome. Decidimos não passar por dentro da cidade e seguimos direto para Itajubá. Os últimos quilômetros foram no asfalto e – ufa! – havia acostamento na parte mais movimentada da estrada.

Em Itajubá, a querida Deise já tinha nos oferecido hospedagem e foi um prazer enorme reencontrar os amigos que fizemos em uma viagem de carnaval.

Dia 2 – De Itajubá a Maria da Fé (29,5km – 573m)

No dia seguinte, a Deise e o Egg pedalaram conosco até Maria da Fé – o Denis não nos acompanhou, pois tinha uma prova de mtb no domingo e havia programado um giro leve.

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Com os amigos Deise e Egg em Maria da Fé.

Nossos guias nos levaram pela trilha do “alface” (o nome tem relação com as hortas do caminho). Eu já tinha pedalado parte dessa estrada em uma viagem com o Giu e descobri que, se tivéssemos seguido pela esquerda em determinado ponto, teríamos feito um caminho muuuuito mais suave. Nada como pedalar com locais.

Enquanto almoçávamos, uma chuva forte e gelada começou a cair e não parou mais. Desencanamos de seguir até Cristina e, por sorte, conseguimos uma hospedagem em Maria da Fé – estava tudo lotado devido a um evento de moto na região.

Ainda quero voltar para Maria da Fé para conhecer a fábrica de azeites, mas, tirando isso, não há muitos atrativos na cidade.

Dia 3 – De Maria da Fé a Carmo de Minas (55,1km – 1.318m)

Apesar de o dia anterior ter sido encurtado por causa da chuva, mantivemos o destino do terceiro dia: Carmo de Minas. Para complementar o café safado da pousada, fizemos uma parada estratégica na Padaria do Thiaguinho – outra dica boa dos amigos de Itajubá.

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Entre a Beleza e a Paciência.

O dia começou gelado: 9°C, às 7h30, mas logo esquentamos com as subidas. Seguindo pela terra, passamos por dois bairros e suas respectivas serras: a Beleza e a Paciência. Enquanto subia devagar, lembrei de uma frase bobinha sobre relacionamentos: se der certo, beleza; se não, paciência. Neste caso, deu tudo certo, com beleza e paciência!

Depois do almoço em Cristina, seguimos por uma estradinha suave que beira o rio Lambari, pegamos um trechinho curto de asfalto e logo voltamos para a terra. Aprendi com os amigos de Itajubá que, essas estradas de subidas leves geralmente são antigas ferrovias.

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Onde será que vamos parar?

Tudo estava tranquilo até chegarmos à primeira porteira do dia. Cruzamos a propriedade abandonada e logo começou um caminho de gado seguido por uma plantação de bananas. O caminho estava bem sujo em alguns pontos e empurramos as bikes por um tempinho. O bananal deu lugar a muitos pés de café, um single track em um pasto e uma estrada decente no meio de outro enorme cafezal.

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Quando o caminho termina em uma propriedade privada.

Durante esse pedala/empurra, além de me perguntar onde iríamos parar, eu pensava: “Google Maps fanfarrão! É a segunda vez que traço uma rota seguindo estradas indicadas por ele para diminuir o risco de perrengue e ele apronta uma dessas”. A estrada terminou na Fazenda Coqueiro. Atravessamos a última porteira do dia e pedalamos mais um trechinho de terra antes dos 5km de asfalto até o destino do dia.

Incluí Carmo de Minas no roteiro por causa da produção de café. A expectativa aumentou quando tomamos um café muito bom na loja de conveniência do posto na entrada da cidade. Porém, a realidade mostrou que ali era o único lugar onde dava para encontrar um café decente. Fomos à torrefação da Unique (imaginei que tivesse uma lojinha de fábrica), mas eles indicavam o café no calçadão em São Lourenço e, na hora, nem cogitamos incluir esse desvio na rota.

Dia 4 – De Carmo de Minas a Cruzília (59,7km – 1.253m)

Comparado à véspera, tivemos um dia despreocupado, com mais cidades pelo caminho para abastecimento e uma rota bem mais leve, passando por um trecho da Estrada Real. As plantações de café continuavam predominantes na paisagem e foram acompanhadas ainda pelas belas formações do Itatiaia e pelo Pico do Papagaio.

Passamos rapidamente por Caxambu e o Artur resolveu nos guiar dentro da cidade. Ele optou pela rota mais rápida e fomos parar numa estrada de asfalto curta, mas horrível que levava a Baependi. Na rota que tracei, o caminho era mais longo e de terra.

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Entre Carmo de Minas e Cruzília: muitas plantações de café.

Mesmo sem provar as especialidades de Cruzília, cidade conhecida pela produção de queijos premiados, minhas melhores lembranças de lá são relacionadas à comida: um delicioso cheesecake com cobertura de damasco que comemos ao chegar e biscoitinhos comprados em uma padaria ao partirmos.

Dia 5 – De Cruzília a Carvalhos (63km – 1.464m)

No quinto dia da viagem, justo quando começava a colheita do café na região, a paisagem da nossa rota mudou complemente. Algumas estradinhas deram lugar a estradões e pedalamos mais expostos ao sol.

Cortamos um trecho do caminho porque não queríamos passar em uma fazenda turística, mas em outra parte não teve jeito e passamos por uma propriedade privada de alguma empresa. Pedimos permissão a um casal cuja casa ficava a poucos metros da porteira e eles disseram que podíamos seguir.

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Cachoeira do Bananal, no caminho para Aiuruoca.

Ao passarmos pela cachoeira do Bananal (que eu tinha visto pelo Google Maps), vimos  um camper e logo conhecemos seu dono, que estava fotografando e filmando a queda d’água. Mário, morador de Itamonte e viajante solitário, nos mostrou diversos detalhes do camper construído por ele e não parava mais de falar.

Poucos quilômetros depois desse encontro, tivemos mais uma mudança de percurso porque o gps indicava um caminho onde não víamos estrada alguma. Ao invés de seguirmos para Serranos, fomos parar em Aiuruoca, que não estava nos planos para essa viagem. Para voltarmos à rota, optamos por continuarmos até Carvalhos.

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Não parece, mas tinha muita subida nesse caminho.

Há duas estradas que ligam as cidades e seguimos via Posses. O caminho é bem bonito e com muitas subidas, claro. Cerca de 8km antes de chegarmos, passamos pelo bairro das Posses e paramos para bater papo com o simpático casal José Antônio e dona Bina. A conversa rendeu por mais de uma hora e terminamos o pedal do dia sob um belo céu estrelado.

Dia 6 – De Carvalhos a Bocaina de Minas (30,4km – 875m)

Como pulamos um pernoite logo no começo da viagem, decidimos mudar o destino do dia e descansarmos um pouco mais. Essa decisão e o frio da manhã contribuíram para sairmos mais tarde.

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Descobrindo novos picos na Mantiqueira.

Descobrimos uma formação linda por ali, o Pico do Muquem, e ficamos atiçados para voltar e fazer o cume. Parte do caminho era sentido bairro Francês dos Carvalhos, mas lá pelo km 11 havia uma bifurcação e continuamos na direção da cachoeira da Estiva. Já sabíamos que se tratava de uma propriedade privada, mas o dono da pousada em Carvalhos disse que poderíamos entrar sem problema já que o local pertence a um primo dele. E vale a pena esse pequeníssimo (menos de 1km) desvio: a cachoeira é linda!

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A serra parece tão inocente nesta foto.

Um dia curto de pedal nessa região nem de longe significa moleza e tivemos que encarar a, até então desconhecida, Serra da Aparecida. Em menos de 1,5km, subimos 152m, chegando a 32% (!!!) de inclinação. A descida teve areia, pedras soltas e erosões.

Com a fome que estávamos, ficamos com receio de chegarmos tarde para o almoço em Bocaina de Minas (já tínhamos nos dado mal em Aiuruoca), mas comemos muito bem no Restaurante do João Grande. Considerando o quantidade de distritos que a cidade possui, imaginei que ela seria maior, porém, é pequena e sem muitas opções de hospedagem e restaurantes. Ainda assim, comemos uma pizza bem boa no jantar.

Foi neste dia que ficamos sabendo sobre a crise no abastecimento de combustível no país. Mesmo em um lugar tão pequeno, vimos uma filinha no único posto e ouvimos alguns comentários do dono da vendinha. “Corri para abastecer meu carro hoje. Já está faltando combustível nas cidades ao redor daqui.”

Dia 7 – De Bocaina de Minas a Itamonte (66,7km – 1.360m)

Depois de um trechinho de asfalto até o trevo, pedalamos por uma serra suave (e gostosa!) e logo chegamos a Santo Antônio do Rio Grande. Foi a segunda vez que passei por ali e nem repeti as estradas.

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Encantada com o entorno de Itamonte.

A subida que veio a seguir não era nada tranquila, mas a baixa velocidade nos permitiu apreciar ainda mais a região. O barulho de água foi constante por muitos quilômetros e havia bastante mata ao lado da estrada. Ao que parece, o trajeto ali não tem muito movimento e por um bom tempo não encontramos ninguém. Pelo caminho, descobrimos ainda a RPPN Morro do Elefante, que trabalha com agricultura orgânica e proteção e conservação da fauna e flora da região. Mais um local para visitar em outra oportunidade.

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Nenhum sinal dos moradores de Belo Monte.

Em Santo Antônio, havíamos sido informados de que, no bairro Belo Monte, haveria uma vendinha no caminho onde poderíamos nos abastecer. O que encontramos foi uma vilazinha com igreja, posto de saúde e escola fechados. Embora estivesse bem cuidada e o único local com aspecto de abandonado fosse a fábrica de laticínios, não vimos uma alma sequer.

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Fazenda Guatambu: hospedagem incrível em Itamonte.

Passamos em frente à Fazenda Guatambu/RPPN François Robert Arthur, onde nos hospedamos no ano passado para comemorar o meu aniversário. Além de realizar um excelente trabalho na preservação de um uma região linda, a Endy é responsável pela produção de geleias, kombucha, cervejas, mel e sabonetes artesanais e ainda oferece duas casas incríveis para hospedagem.

A partir da fazenda, foram mais 9km até o asfalto da estrada que liga Itamonte a Alagoa e quase 20km predominantemente de descida até a cidade. Embora considere o entorno de Itamonte belíssimo, não posso dizer o mesmo da área urbana, cortada pela rodovia. Depois de Bocaina de Minas, aqui foi o primeiro lugar onde ouvimos falar com mais intensidade sobre a greve dos caminhoneiros, que estavam protestando em um posto próximo à pousada onde nos hospedamos.

Dia 8 – De Itamonte a Marmelópolis (52,6km – 1.490m)

Voltamos à Estrada Real nos primeiros 10km do dia, por um caminho charmoso que eu já tinha percorrido no sentido contrário. Na sequência, o trecho de Itanhandu a Passa Quatro não traz nada de interessante e é marcado por granjas enormes.

Assim que saímos de Passa Quatro, encaramos uma subida que parecia não acabar mais. Subindo devagar – empurrando em alguns trechos inclusive – vimos várias sinalizações de uma ultramaratona que passou por ali. No cume, havia uma casa que parecia abandonada e uma bifurcação. Optamos pelo caminho mais curto e fomos pela direita. A esquerda levava a um lago sobre o qual um conhecido me falou quando mencionei que já tinha pedalado por aquela região.

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Em busca do suco de marmelo.

O caminho escolhido era muito sossegado e ficamos um bom tempo sem ver ninguém. Há diversas estradas que ligam Passa Quatro e Marmelópolis e, sem querer, não repetimos nenhuma em relação à viagem de Carnaval pela Mantiqueira em 2015. Tendo a travessia Marins-Itaguaré como parte da paisagem, paramos bastante para fotos e mais ainda quando encontramos o Toninho, morador de Marmelópolis muito bom de papo.

A conversa se estendeu por um tempo e chegamos à cidade quando estava escurecendo. Já que o restaurante Di Minas estava fechado, jantamos uma panqueca deliciosa na Pizzaria do Gordo, com direito a esfihas de chocolate de sobremesa. O pernoite foi na Pousada Bella Vista, que estava vazia por causa da greve de caminhoneiros.

Dia 9 – De Marmelópolis a Wenceslau Braz (46,8km – 1.494m)

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Belo começo de pedal.

Pegamos a estrada que leva ao bairro dos Quatis e, logo de cara, veio uma subida puxada – segundo o registrado no Strava, havia um trecho com 43,9% (!) de inclinação. Essa estrada fazia parte de uma rota que tracei para percorrer com o Giu e não rolou. Depois do terceiro quilômetro, a subida ficou mais agradável.

Fomos seguindo a estrada até que o gps indicou que estávamos fora da rota. Olhando ao redor, vi uma casa abandonada e não tinha certeza se era por lá que deveríamos seguir. Minha dúvida foi sanada por um senhor que trabalhava desmontando outra casa abandonada. “Pode seguir por ali, sem problema.”

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Trocando o estradão pelas estradinhas.

Pelas marcas no caminho, percebemos que esse atalho é percorrido apenas por motos e cavalos e, mesmo assim, não muitos já que havia alguma vegetação crescendo em partes do solo. Esse primeiro trecho nos brindou com single tracks e árvores que sombreavam o caminho; já o segundo, com areia, pedras e uma longa descida.

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Mercadinho Uai Pegue e Pague, em Taquaral.

Nossa rota alternativa terminou em um trecho do Caminho de Aparecida, no bairro Taquaral, já em Delfim Moreira. Passamos por uma hospedagem de romeiros, com baias para os cavalos, e pela peculiar vendinha Uai Pegue e Pague. Em meio aos produtos da roça, havia os avisos “você não está sendo filmado”, “colha sua verdura e pague o que achar justo”, “obrigado por ser honesto”.

O “almoço” foi no bar do Tadeu, no bairro Salto, também pertencente a Delfim Moreira: batata frita para mim, torresmo para o Artur e cerveja artesanal da região.

Seguimos pelos bairros de Biguá e Água Limpa numa descida suave. O único porém foi o aumento do tráfego que levantava uma poeira chata. Essa estrada é muito usada por ciclistas da região; encontramos alguns pelo caminho e depois descobri que o Denis (Itajubiker) tinha passado por lá mais cedo.

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Ah, Google Maps fanfarrão.

Para fugir do asfalto, incluí na rota um trecho que, no Google Maps, aparentava ser uma estrada, mas era na verdade um caminho de gado. Esse “atalho” no pasto faz parte do Caminho de Aparecia e até que foi pedalável em alguns pontos. Os últimos 6km do dia foram de asfalto, numa leve subida com vento contra.

Nos hospedamos na única opção que encontramos na cidade, a Pousada Castelinho que, como o nome sugere, realmente é um castelinho – impossível passar batido. O jantar, encomendado por nossa anfitriã, foi no restaurante da Derly. Mal acreditamos quando ela começou a trazer as panelas para nossa mesa e não parava mais. Comemos bastante e ainda sobrou muita comida.

Dia 10 – De Wenceslau Braz a Campos do Jordão (36,9km – 1.370m)

O dia começou com o mantra “só no girinho”. De Wenceslau Braz até o bairro do Charco, foram quase 15km de subida ininterrupta num giro constante. Aproveitamos um pouquinho de descida e voltamos a subir até a divisa de Minas Gerais com São Paulo, onde entramos no Horto Florestal de Campos do Jordão.

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Campo de araucárias próximo à entrada principal do Horto Florestal.

A descida pelo parque exigiu atenção já que havia muitas pedras e pontos escorregadios. Na empolgação de pedalar uma full suspension, o Artur bateu o aro em uma pedra e teve o único furo de todo o percurso.

Com a viagem chegando ao fim, incluí um mimo no roteiro e reservei uma cabana charmosa para passarmos a noite. No espaço gigantesco há, além das cabanas, chalés, atividades de arvorismo, paintball, um restaurante e o Zoom Bike Park, um parque feito para quem curte mtb, com diversas trilhas de variados níveis.

Apesar da subida longa, o pedal do dia foi curto e desfrutamos de uma tarde preguiçosa e de um friozinho gostoso, em meio às árvores.

Dia 11 – De Campos do Jordão ao Espaço Araucária (25,5km – 729m)

No último dia de viagem, entramos no ritmo de calmaria. Acordamos mais tarde, tomamos o café da manhã sossegados e saímos sem pressa. Em menos de 10km estávamos no centro da cidade para um programa tão clichê quanto gostoso: almoço na Baden Baden.

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Depois de 515km, de volta ao Espaço Araucária.

Enrolamos um pouco por ali, mas, enfim, fomos percorrer os últimos 17km da viagem. Com subidas, claro. Fizemos algumas fotos em frente ao Espaço Araucária e declaramos encerrada a primeira parte das férias.

Pós-viagem

O plano era aproveitar os dias que tínhamos antes do Encontro Nacional de Cicloturismo para irmos de carro até São Lourenço e Cruzília atrás de um “carregamento” de café, queijo e bolachinhas mineiras e ainda visitar o simpático casal nos arredores de Carvalho. Tudo frustrado pela greve dos caminhoneiros. O tanque do carro estava cheio e achamos mais prudente continuar assim e garantir a volta para a casa pós-feriado.

Pedalar pela Mantiqueira é sempre um programa imperdível. Por mais que já conheça muitos lugares e estradas, ainda é só um pedacinho do que há para ser conhecido. Assim como as pessoas que encontramos pelo caminho, sempre simpáticas ao confirmar uma informação ou até mesmo oferecendo um “cafezim”, jantar e pouso (!).